“Vamos dizer que foi… paixão à primeira vista”| Entrevista com Daniel Jorge da Silva 12/08/2020 - 14:07

Daniel Jorge da Silva, atleta de vôlei sentado, é o típico atleta paranaense que desperta orgulho. Integrante da seleção brasileira desde 2007, participou das olimpíadas de Pequim (2008), Londres (2012) e Rio (2016). Também foi o terceiro convidado das live do Esporte Paraná, iniciativa que acontece às 17h nas terças e quintas-feiras com transmissão pelo instagram e pelo facebook. A ação visa abrir espaço para atletas, técnicos e profissionais da área compartilharem suas experiências com o público de maneira mais acessível e transparente. 

Apesar de ter participado de alguns campeonatos na escola e de conhecer os fundamentos básicos do vôlei, Daniel se tornou atleta profissional por caminhos inesperados. Em janeiro de 2000 levou um tiro, decorrente de um assalto, e teve sua perna direita amputada. Em virtude de se manter ativo, se voltou ao esporte. Como mesmo conta, começou no vôlei sentado em meados de 2004. Levou mais um ano até que começasse a treinar a sério. De pouco em pouco foi conquistando mais espaço e por muito tempo foi atacante da seleção. Hoje, atua como levantador e, embora a pandemia tenha adiado a Paralimpíada, sua participação em Tóquio está confirmadíssima. 

Nesta entrevista, Daniel conta sobre sua carreira e suas experiências em quadras olímpicas. Para conferir a reportagem ao vivo na íntegra, acesse nossa página no instagram
 

Como funciona sua modalidade?
No vôlei sentado não existe um critério de pontuação. Temos uma classificação de VS1, correspondente a uma deficiência mais severa que compromete um membro (inferior, no caso do vôlei) ou VS2, onde a deficiência é mais leve. Você pode ter até dois VS2 na equipe, mas só pode usar um deles em quadra. 
 

Quais foram as suas primeiras conquistas?
Foi pelo clube em 2006. Ganhamos o campeonato regional e ficamos em nono lugar no brasileiro. No ano seguinte tivemos uma vitória um pouco mais expressiva, ficamos em quinto. Também fui eleito atleta revelação no campeonato brasileiro e logo depois veio a convocação para a seleção, como atacante. 
 

Como foi a transição para levantador?
Joguei como atacante até 2012, mas em 2011 já comecei a ter alguns problemas com meu ombro direito. O time também estava crescendo muito, vieram atletas de dois metros e eu me senti um anão com 1.89 [risos]. Quando estávamos voltando para casa dos Jogos Paralímpicos de Londres, ainda no avião, o técnico me chamou em um canto e deu uma dica: comece a treinar como levantador. Durante os jogos eu já tinha quebrado o galho nessa função, porque o nosso levantador na época era mais baixo que eu. Acho que o técnico acabou gostando do que viu. Ele perguntou o que eu achava da ideia e eu aceitei de cara. No ano seguinte já fui convocado como levantador da seleção. 
 

Quando tempo depois da amputação começou a procurar esportes?
Menos de um ano depois. Eu estava entrando em depressão, porque sempre fui muito ativo. Já tinha voltado a trabalhar, mas estava me sentindo muito mal sem fazer atividade física. Tentei vários esportes no começo: natação, atletismo, arremesso de dardo, de disco... quando cheguei no vôlei, pensei “é aqui”. 
 

Já tinha pensado em ser atleta profissional antes da amputação?
Sim, meu sonho de criança era ser jogador de futebol ou de vôlei, as duas modalidades que eu gostava muito e que eu praticava com frequência. Mas eu já tinha 18 anos e só jogava futebol nos finais de semana. Não tinha grandes perspectivas de ser atleta profissional. Depois da amputação que eu voltei a praticar esportes, vi essa oportunidade nova e agarrei ela com todas as minhas forças. 
 

Teve alguma influência para permanecer no vôlei sentado ou foi paixão à primeira vista?
Vamos dizer que foi … paixão à primeira vista [risos]. 
 

Falando das duas grandes cidades que conheceu: Pequim e Londres. Como foram essas experiências?
Infelizmente tivemos pouco tempo em Londres. Voltamos para casa no dia seguinte do nosso jogo. Mas, rapaz, deixa eu te falar que Pequim parece outro mundo. Na época vi tecnologias que só começaram a aparecer pra gente agora. Sem falar na cultura, no povo, na língua… Poucos falavam inglês, então tínhamos uma dificuldade muito grande para se comunicar. Foi uma das únicas viagens em que tivemos alguns dias para visitar o local, já que normalmente vôlei é uma das últimas partidas e a gente sempre acaba voando para casa no dia seguinte, se não no mesmo dia do jogo. Em Pequim visitamos muitos lugares, foi muito legal. Alguns voluntários que falavam inglês traduziam o lugar que queríamos conhecer e escrevia em um papel. Era a única forma de conseguirmos nos comunicar com os taxistas. Contudo, achamos muitos brasileiros por lá.
 

Falando um pouco sobre a Rio 2016: como foi a experiência com a torcida? 
A torcida brasileira é diferenciada, em qualquer esporte e modalidade. A sensação é indescritível, mas vou tentar explicar: eu tive a honra e o privilégio de ter disputado a primeira competição da minha vida também no Rio de Janeiro. Na época fomos campeões, inclusive. Jogando em casa nós somos mais incentivados, temos algo a mais para dar para a torcida. Ela grita seu nome, grita “Brasil”, quando você vai chegando no ginásio sente o carinho. Quando terminamos os jogos, sempre sobrava alguns para pedir um abraço ou autógrafo. Nos sentimos super astros. É muito emocionante e gratificante. Não tem preço e medalha que valha isso. 
 

E qual foi a melhor experiência da RIO 2016?
Acho que o jogo contra a Alemanha. Vencemos por 3 a 1, o que garantiu nossa vaga inédita na semifinal nas paralimpíadas. Garimpar essa vaga foi a nossa chance real de conseguir uma medalha paralímpica, jogando em casa ainda por cima. Foi um jogo mto especial.
 

Como os times estão lidando com esse ano tão difícil, sem competição e com os treinos tão escassos e limitados?
Eu acho que vai mudar tudo. Não só no vôlei, mas nas outras modalidades também. Outros campeões vão surgir, até pela diferença de volta aos treinos. Há países que já estão livres da doença e voltaram a treinar. Não saberia dizer agora de que forma isso vai nos impactar. 
 

Em Pequim vocês ficaram em sexto, em Londres quinto, no Rio em quarto. Percebo uma escada subindo.
[risos] A pressão para Tóquio existe, eu sei. Estamos entre os favoritos para conquistar uma medalha, não importa de que cor. Claro que queremos a de ouro, queremos ser campeões, mas uma medalha olímpica é uma medalha olímpica. Vamos trazer uma de Tóquio.