“É como o Oscar para o atleta e para o paratleta. É o que buscamos com maior intensidade.” | Entrevista com Márcia Menezes 19/10/2020 - 10:36

Tudo começou na natação em 1999, quando Márcia Menezes se apaixonou pelo paradesporto e pelas competições. Depois de alguns anos longe das piscinas, voltou em 2005 competindo pelo atletismo. Estava em uma competição em São Paulo quando assistiu pela primeira vez uma prova de halterofilismo e foi convencida por um amigo a tentar uma medalha. “Eu nunca tinha entrado em uma academia, como poderia ganhar a prova? ”, se perguntou na época. Quase sem acreditar, foi ali que levantou cerca de 40 quilos e conquistou sua primeira medalha de ouro.

Daquele momento em diante, sua carreira cresceu exponencialmente. E que currículo de peso, se me permitem o trocadilho. Márcia tem mais 11 medalhas internacionais, além de ter marcado presença nos últimos dois jogos olímpicos. É atleta do Geração Olímpica desde 2013 e tem muito orgulho de ser londrinense e de competir pelo seu estado. Nesta entrevista, Márcia conta um pouco sobre a importância do geração olímpica, histórias de sua carreira e os desafios que já enfrentou. 

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Como surgiu a oportunidade de ir à Londres nas paralimpíadas de 2012? 
Na realidade,  antes disso eu tive uma pré-convocação pro Mundial, em 2010. Me empolguei e divulguei para todos, até mesmo dei entrevista na imprensa de Londrina. Na época eu não entendia muito bem como funcionava e achei que tinha chances de ir, mas no fim não deu certo. Fiquei muito frustrada. Tive que explicar para a minha família e Londrina inteira que não tinha dado certo. Naquele momento eu prometi para mim mesma que estaria no próximo Mundial e traria uma medalha. O ano de preparação das Paralimpíadas foi muito difícil e estressante, porque queria muito a vaga, mas trabalhava e a empresa estava me pressionando por faltar demais. Pedi para que me demitissem porque minha prioridade era o esporte. Recebi a confirmação em junho que iria para as Paralimpíadas em agosto [2012], de tão acirrada que foi a briga pela vaga. Junto comigo viajaram mais quatro atletas e eu era a única novata. Ninguém me dava muita moral, a expectativa de medalha não era para mim. Mas, felizmente, a atleta que teve melhor pontuação fui eu. 

E como foi a primeira experiência de vila olímpica?
Minha primeira competição internacional foi o Pan-Americano, em Guadalajara. O espanhol [língua] era mais fácil de entender, então não víamos muita diferença, mas a grandiosidade da competição em Londres... Fiquei encantada, extasiada, não acreditava que estava lá. Eu sabia da missão, mas toda competição tem um foco diferente. Procurei não me desviar devido a grandeza do que acontecia à minha volta. Não queria perder o rumo da competição. Depois da minha prova fui conhecer e conversar com as pessoas, andei por cada pedacinho da vila e conheci todos os prédios. A experiência [da vila olímpica] é única, como o Oscar para o atleta e para o paratleta. É o que buscamos com maior intensidade.

Como foi a mudança para Itu (SP)?
Quando eu cheguei de Londres eles viram que tinha uma grande chance de conquistar a medalha no mundial [2014] se eu fizesse uma preparação forte. Eu precisava intensificar meu treinamento aqui em Londrina, mas não tínhamos equipamentos. Recebi a proposta de treinar em Itu e conversei com a minha família. Na época meu filho tinha 16 anos e apoiou a mudança. Ele passou a morar com a minha irmã e eu aluguei uma kitnet

Foi na sua volta de Londres que descobriu o Geração Olímpica, certo? 
Exatamente. Fui convidada para fazer a abertura do Parajaps quando um grande e querido amigo meu, o professor Décio Roberto Calegari, me falou sobre o programa. Antes disso, nem sabia da existência do Geração. Me empenhei em participar e, de ano a ano, fui passando por várias etapas dessa bolsa. É um programa grandioso que ajuda muito atleta a se preparar e competir. Inclusive, quando o comitê me fez a proposta de morar em Itu, eu só aceitei porque não mudaria de Clube. Eu defendo Londrina e o Paraná, é aqui a minha base. 

Neste momento a bolsa do Geração deve ter ajudado muito.
Na época eu tive apoio da caixa, do governo federal pelo bolsa atleta e do Geração Olímpica. Se eu não tivesse suporte não teria conseguido tomar essa decisão, principalmente porque sustentava um filho em idade escolar. Me mudei em setembro de 2013 e começamos a preparação física que durou sete meses. O foco era na competição, na medalha. Viajamos para Dubai e eu conquistei a medalha. Curiosamente eu estava muito tranquila, já que as expectativas estavam em mim. Só fui deixando as coisas acontecerem.

Uma curiosidade: a decisão do peso na barra é sua?
É minha e do meu técnico. Nessa competição começamos com 111 quilos e mantivemos, porque eu já tinha feito com 110 em Londres. A minha concorrente começou em 114 e, quando ela iria tentar 117, meu técnico me disse que ela não iria conseguir por falta de força, e que eu deveria colocar 116 e a medalha seria minha. Eu levantei aquilo como se fosse só 50 quilos, de tão concentrada que estava. Foi uma competição 100%, nove bandeiras brancas. Fiquei muito tensa esperando o locutor validar o movimento. Lembro que durou uma eternidade. Eu não queria ver a prova dela, mas o restante da equipe e os atletas ficaram assistindo no aquecimento. Me concentrei em minhas orações e pensamentos positivos, e quando ouvi “movimento inválido” da prova dela, soltei um grito. Depois fiquei com vergonha, porque pude ter sido mal educada. Gritei porque tinha ganho, não porque outra pessoa perdeu. Estava feliz por mim e pela minha equipe. Subir no pódio foi uma emoção muito grande. Fu fiz uma promessa em 2010 que retornaria com uma medalha, e realizei.

Falando sobre a RIO 2016: como foi a experiência de competir por uma medalha na própria casa?
Esse nacionalismo está no sangue. Quando eu comecei na natação e percebi que não tinha chances de representar o brasil, fiquei desanimada. No atletismo foi a mesma coisa. Sempre quis representar o país, conhecer outras culturas, levar o nome do Paraná para fora. Mostrar para as pessoas que aqui em Londrina também tem atleta internacional. Na RIO 2016 eu estava com uma preparação forte, mas tinha uma pequena lesão. Sabia que tudo poderia acontecer. E, assim como eu estava muito bem em Dubai e minha concorrente não, o inverso aconteceu. A pressão da torcida brasileira me deixou um pouco tensa. Não consegui brigar pelo terceiro lugar. Mas isso não me desmotiva, porque eu tenho 11 medalhas. É muita coisa e eu ainda sou multicampeão brasileira.